Assistir ao Oscar

Quando tinha uns seis anos, também fui acometido pela interessante febre que contagia certas crianças: passei a colecionar um monte de coisas. No princípio, álbuns com as figurinhas que vinham com o chocolate Surpresa, que tenho até hoje (de um deles nutri uma longa paixão pela paleontologia). Mas eram muito fáceis de completar, pois só tinham trinta figuras. Depois passei aos álbuns do chiclete Ping Pong, com cem. Além disso, colecionei tazos, geloucos, minicraques e um monte de coisas que não vinham com doces, salgadinhos ou refrigerantes.

Mas chega uma idade, lá pelo começo da adolescência, que a gente fica meio com vergonha de catar embalagens ou copos plásticos usados para trocar por brinquedinhos coloridos, mesmo estando doido pra fazer isso.

Hoje em dia, não posso dizer que coleciono nada. Compro e acumulo livros, mas o colecionador de verdade escolhe primeiras edições autografadas, esse tipo de coisa, e jamais aceitaria a ideia de ler um livro emprestado. Eu sempre fui mais atraído pela ideia de completar o álbum, e qualquer um sabe que a biblioteca completa é um devaneio borgiano. Em vez disso, substituí por listas minha antiga mania. 100 filmes essenciais, 100 romances de 1923 pra cá , 1001 coisas para fazer antes de morrer. Completar uma delas é bem mais difícil e emocionante que colar figurinhas de chiclete.

Uma lista que de tempo em tempo dou uma conferida é essa do Oscar. Eu sei que na prática a do Globo de Ouro e a de Cannes são até mais sérias e justas, e também dou uma olhada nelas de vez em quando. Mas ainda assim, o Oscar é praticamente um sinônimo de premiação para uma arte. Eisner: “o Oscar das HQs”; Tony: “o Oscar do teatro”; Jabuti: “o Oscar da literatura brasileira”. Entre os prêmios, talvez só não seja mais importante que o Nobel (Al Gore poderia dizer).

Li ontem que premiar obras imerecidas é um costume milenar, e devo reconhecer que o Oscar respeita esta tradição. Já assisti a vários “melhores” filmes, principalmente da década de 70 pra cá. Se ele fosse mais justo, possivelmente eu deixaria de ver Kramer vs. Kramer, que é pior que Apocalipse Now, ou Operação França, inferior a Laranja Mecânica e A Última Sessão de Cinema, e que gostei bastante. Os perdedores viraram clássicos independentemente do prêmio, e são muito mais vistos. Agradeço à falta de visão dos votantes (quem gosta de justiça, deverá conferir os vencedores em língua estrangeira. Estão lá, praticamente escondidos, filmes como Trens Estritamente Vigiados, Mephisto, Z, Kolya, mais um monte de De Sicas, Fellinis, Bergmans, Kurosawas).

Também andei pensando em como ficou mais divertido assistir às premiações. Comecei a vê-las no tempo que ia guardando minhas coleções na gaveta. Elas eram muito longas, chatíssimas, eu não entendia quase nada de inglês, tampouco de cinema, e não tinha visto nenhum dos filmes. Um dos poucos discursos legais aconteceu praticamente esses dias. Na primeira premiação que vi, em 1998, torci para Titanic, um estouro midiático que só tive a chance de ver uns seis meses depois, em vídeo. Na segunda, para O Resgate do Soldado Ryan, porque era do único diretor concorrente que eu sabia o nome, Spielberg. Na terceira, por O Sexto Sentido, porque assistia a muitos filmes de terror.

Todas essas razões são estúpidas, mas refletem seu período. Estávamos à mercê das distribuidoras. Mesmo quem vivia em cidades com cinema, geralmente só podia ver os filmes depois da premiação, quando finalmente eram exibidos. Daí que a maioria assistia à premiação com o olhar viciado. Esse é o preconceito no sentido mais puro da palavra: julgar sem conhecer.

Vez ou outra, algum escapava e era lançado antes, e era ainda pior que não conhecer nada. Quem só visse um e não gostasse, involuntariamente torcia contra, sem ter visto os outros; e vice-versa. Não faz muito tempo que cometi esse equívoco. Em 2007, meus favoritos eram Os Infiltrados e O Labirinto do Fauno. Torci por eles, como é de se esperar, e fiquei indignado quando o segundo perdeu para um filme desconhecido. Meu Deus, a fantasia de Guillermo del Toro era boa demais para sequer dar a chance! Mas A Vida dos Outros me deu vergonha, porque de fato consegue ser melhor.

E isso é o que mais mudou de lá pra cá. Hoje esse tipo de problema não existe mais. É possível ver tudinho antes, ler críticas, comentar com os amigos, ver de novo, mesmo com dez filmes concorrendo (fala sério, Argo e O Lado Bom da Vida?). Agora a gente assiste à premiação realmente preparados, com disposição para criticar os comentários dos especialistas da Globo e para reclamar no Facebook das escolhas absurdas daqueles caras.