A Vida como Cinema

Eu conversava estes dias sobre as trilhas sonoras diegéticas – as que têm sua fonte conhecida em tela (um iPod, um radinho, um cara com um instrumento, uma banda, uma orquestra) e os personagens também a estão ouvindo – e a naturalidade que isto traz. Alex Ross fala destas décadas em que estamos soterrados de música. Foi inesquecível para mim, adolescente tabaréu, quando, após três dias no meio do mato, escutei Guns ‘n Roses num boteco dos grotões da Bahia. Pensei: “esses caras são famosos de verdade!”. Qualquer trilha ficaria natural em muitíssimos cenários do mundo, nos filmes que se passam em nossos dias.

Esta onipresença musical às vezes me traz desconforto, quando, por exemplo, sou obrigado a ouvir canções que não gosto, no ônibus, vindas das telas, rádios ou celulares alheios. Por outro lado, como é bom descobrir uma bela canção, por estar passando na rua na hora certa! Há o novo desconforto, o de se tentar descobrir que música é; tentar anotar trechos da letra, perguntar para alguém, tentar reconhecer a voz e o estilo. Dá medo pensar que provavelmente jamais ouvirei certas canções mais uma vez – canções cujas lembranças me são meras imagens distantes. Me pergunto o que as pessoas faziam antes do Google, e a resposta é automática, pois eu mesmo vivi este tempo: conversava ou se perdia.

Outra coisa que se faz cada vez mais presentes em nossas vidas, e essa observação é muito óbvia, é a captura de imagens. Todo mundo tem sua camerazinha no bolso, e o Youtube é o Grande Irmão dos nossos tempos. Aquele que atirar a primeira pedra será filmado e condenado. Por outro lado, há tanta gente tirando fotos, filmando, editando imagens, que penso que, eventualmente, como na Biblioteca de Babel ou no Teorema do Macaco Infinito,  haverá de surgir no meio disso tudo uma obra-prima, completamente por acaso (seguindo a mesma lógica, inventaram um negócio de mandar para a Globo a própria imagem no estádio, prevendo um gol; nem posso imaginar a astronômica quantidade de vídeos deletados após as partidas de futebol).

Enquanto estas obras vão sendo divulgadas clique a clique, outros resolveram brincar com a própria onipresença da câmera. O Lucas Otero fez um belo vídeo no velho esquema a-vida-em-um-minuto só com fotos do Instagram. E a estética da filmagem caseira domina: o OK GO, banda que ficou famosa no youtube, começou assim, e com o sucesso, já pode fazer clipes assim. De acordo com esse texto, os produtores da Lana del Rey inventaram este clipe meticulosamente casual, mas não é de hoje que os diretores de filmes de grande orçamento inseriam uma ou outra cena numa câmera caseira, para dar realismo. A mais inesquecível para mim é a de Sinais, apesar da grosseria inerente (por que o guri fala em dois idiomas, meu deus?).

O mais criativo de tudo, no entanto, foi a possibilidade de fazer longas inteiros com câmeras diegéticas, que interagem diretamente com os personagens, como com as trilhas sonoras. Já vi dois assim, ambos de temática adolescente, com tratamento de roteiro, montagem e fotografia impecáveis, para seus propósitos. Project X , em parte baseado numa história de um sujeito australiano, é sobre uma festa que atinge proporções bélicas, e Chronicle é, talvez, a única história de super-heróis realista ao pé da letra.

Esta ideia obrigou os realizadores de ambos os filmes a se virar de maneira criativa para que os filmes não ficassem modorrentos, o que era um risco fácil. A mania mundial de se filmar tudo é usada em favor da narrativa, como uma nova técnica.  Filmadoras amadoras passam de mão em mão (ou voam), alternando-se com  câmeras de celulares, de segurança, laptops  e, finalmente, as das redes de televisão. Ambos foram realizados por pessoas de minha geração, e creio que estes são só os primeiros passos.

As Coincidências

A grande arte recheia a existência
A física senta e escreve o universo
Contas redondas regulam a ciência
Uma frase torta decepa este metro.

Há quem procure as coincidências:
Nomes iguais, talvez datas certas,
A fuga do jogo em duas linhas retas;
E um desafogo a suas consciências.

Pois saiba da morte do argentino
Uma brincadeira triste e divina:
O artista e físico Ernesto Sábato,
Quase fez cem. Morreu num sábado.

Fiz esse poema de brincadeira, no blog de Charlles Campos, sobre um comentário em que se confundiu o dia da morte de Ernesto Sábato.

The Windmills of your Mind

Esta canção está na bela abertura do primeiro Thomas Crown Affair, o dirigido por Norman Jewison e estrelado por Steve McQueen. Ganhou o Oscar e o Globo de Ouro por melhor canção original. É versão de uma canção francesa, Les Moulins de Mon Coeur.

Round,
Like a circle in a spiral
Like a wheel within a wheel
Never ending or beginning
On an ever-spinning reel
Like a snowball down a mountain
Or a carnival balloon
Like a carousel that’s turning
Running rings around the moon
Like a clock whose hands are sweeping
Past the minutes on its face
And the world is like an apple
Spinning silently in space
Like the circles that you find
In the windmills of your mind
Like a tunnel that you follow
To a tunnel of its own
Down a hollow to a cavern
Where the sun has never shone
Like a door that keeps revolving
In a half-forgotten dream
Like the ripples from a pebble
Someone tosses in a stream
Like a clock whose hands are sweeping
Past the minutes on its face
And the world is like an apple
Spinning silently in space
Like the circles that you find
In the windmills of your mind
Keys that jingle in your pocket
Words that jangle in your head
Why did summer go so quickly?
Was it something that I said?
Lovers walk along a shore
And leave their footprints in the sand
Was the sound of distant drumming
Just the fingers of your hand?
Pictures hanging in a hallway
Or the fragment of a song
Half-remembered names and faces
but to whom do they belong?
When you knew that it was over
Were you suddenly aware
That the autumn leaves were turning
To the colour of her hair?
Like a circle in a spiral
Like a wheel within a wheel
Never ending or beginning
On an ever-spinning reel
As the images unwind
Like the circles that you find
In the windmills of your mind

Coisas que ninguém me contou

Stuff no one told me, cartuns do catalão Alex Noriega.

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Trabalhe tão devagar quanto puder, mas finja que é impossível trabalhar mais rápido.

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É bom ter grandes esperanças e expectativas, mas mantenha a lógica.

– Quero ser o próximo Michael Jackson.

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Quando a maioria dos bares da cidade estiverem mais limpos que sua casa, está na hora de limpar…

Ou ir pros bares.
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Marca nenhuma é sua amiga.

Minimalismo Pop

Em 2009, escrevi um texto falando de minhas restrições de gosto e de minha visão das artes em geral, de modo a criticar a presepada que é boa parte da arte contemporânea. De lá pra cá, minha opinião se mantêm, reforçada por obras como A Grande Feira, Exit Through the Gift Shop, ou textos como esse.

Vejo “criadores” reclamando, por exemplo, da falta de um público amplo, de financiamento, de visibilidade e de uma crítica decente, sendo que lhes faltam obras que fluem, o que é primordial. O artista deve ser reconhecido por suas obras realizadas, acima de suas intenções. Seu mero desejo de fazer algo importante não quer dizer nada ao sujeito inocente que fica cinco segundos observando um pretensioso emaranhado de cimento e ferro, até perceber que não lhe diz nada e seguir sua vida.

Penso que os maiores exageros estejam mesmo nas ditas artes visuais, devido à facilidade de tornar seu embuste aceitável. Veja, um sujeito que tencione apresentar sua música modernosa deve saber escrever partitura ou utilizar um instrumento (incluindo a voz ou o PC); o escritor, o faz com o idioma; o cineasta precisa de uma câmera. Obviamente, a música, a literatura e o cinema não geram obras-primas aos jorros; muito raramente até. Mas ao menos sua produção em geral é compreensível; se não alimenta, diverte seu público, e o que apresentam de intragável é ínfimo, se comparados com a produção de artes visuais (que inclui também os vídeos de arte, filmagens destinadas não à sala de cinema, mas aos museus, salões e galerias).

O artista contemporâneo às vezes não domina técnica nenhuma, sequer uma teoria, mas não tem vergonha de sair pra cima e pra baixo num vestido de noiva, ou de colocar trocentos tomates para apodrecer numa mesa, e é celebrado por seus pares, como se tivessem pintado A Noite Estrelada, ou esculpido O Beijo (e como se imitar Duchamp, mais uma vez, após tantas décadas, fosse novidade).

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Não vou mais fundo. Para não dar uma de crítico amargurado, digo que fiquei mais tolerante de 2009 pra cá, especialmente no que se refere à música, e algumas formas de arte pictórica, como o minimalismo, que também exerceu sua influencia na música e na literatura, de formas diferentes.

Na década de 60, os pintores e escultores minimalistas pretendiam romper com a “arte cartesiana europeia” da forma mais extrema e completa: eliminando a forma e os conceitos por trás dela. Perceberam que a única maneira de fazer isso seria fazer o mínimo; e realizaram obras como Branco sobre brancoPreto sobre pretoBranco sobre preto, esse tipo de coisa, como se fossem o que havia de mais sofisticado e original do mundo. Ah, como era besta o minimalismo!

De qualquer forma, não deixava de ser uma técnica nova, e eis que a geração da internet apareceu com tudo, a trazendo de volta, mas com uma diferença: a técnica é usada para parodiar ou referenciar elementos ou obras da cultura pop, geralmente com mais traços que anteriormente.

É sucesso de público.

O minimalismo só fez sentido desvirtuado de seu conceito original, o de se desligar das influências externas; essa quebra com sua própria tradição foi mais interessante que a ruptura que os primeiros artistas da corrente pretendiam realizar. Como apresentado pelos artistas visuais que o fundaram, o minimalismo se baseia num conceito frágil, da ruptura a qualquer custo.

Penso que estas novas obras não alimentam, mas acho bem divertido.

             

Uma história das Copas e São Paulo X Rio, inspirada na série Paris X NY. Ia botar outras, só que minha internet anda lerda demais.

Que música é essa? – All the Rowboats, de Regina Spektor

A Spektor lançou um album novo. Não é nem de longe meu favorito, e essa canção escolhida nem é a melhor. Mas como a letra é bonita!

All the rowboats in the paintings
They keep trying to row away
And the captains’ worried faces
Stay contorted and staring at the waves
They’ll keep hanging in their gold frames
For forever, forever and a day
All the rowboats in the oil paintings
They keep trying to row away, row away

Hear them whispering french and german
Dutch, italian, and latin
When no one’s looking i fetch a sculpture
Marble, gold, and soft as satin
But the most special are the most lonely
God, i pity the violins
In glass coffins they keep coughing
They’ve forgotten, forgotten how to sing

First there’s lights out, then there’s lock up
Masterpieces serving maximum sentences
It’s their own fault for being timeless
There’s a price you pay and a consequence
All the galleries, the museums
Here’s your ticket, welcome to the tombs
They’re just public mausoleums
The living dead fill every room

Tradução aqui.

Da Desculpa como Figura de Linguagem.

Não sou necessariamente um leitor fanático por blogs, de modo que só leio uns oito com grande frequência, e mesmo assim só raramente, quando entro na internet. Ou seja: acordo, ligo o laptop, vejo se o Guina Médici leu mais algum livro, e então estou preparado para lavar a cara e escovar os dentes; saio, sem internet móvel, preocupado com a possível nova polêmica de Rafael Galvão; volto, e antes de tomar banho, dou uma olhada no blog do  Milton Ribeiro e no da Cia das Letras (desculpe pelas ironias).

Dou preferência a crônicas, anedotas, tiras, e pequenos ensaios, principalmente aos blogs sobre assuntos variados. Não percebo um estilo em comum, mas uma característica curiosa de alguns destes textos, que não creio ser motivo de louvores nem de engulhos, mas sempre me deixou com a pulga atrás da orelha (desculpe a expressão): a mania de se fazer a própria crítica, ou de se desculpar por usar figuras de linguagem, clichês e trocadilhos infames.

Num texto publicado essa semana no blog do Instituto Moreira Salles, a Luisa Geisler ressalta a terribilidade de seus trocadilhos, ao falar do “florescimento” dos hippies nos anos 60, e do estereotipo “batido” dos beats. O primeiro trocadilho nem é tão óbvio, e poderia passar despercebido, se ela não fizesse questão de mostrá-lo. O segundo é mais evidente, mas também não é nada tão grave assim.

Charlles Campos, num texto que li ontem por acaso, fala da veia “extrovertida, expansiva e exuberante” de alguns romances de Saul Bellow, para em seguida pedir desculpas pelas aliterações. Aí eu penso: que mal há em escrever aliterações? Já pensou o que seria de Nabokov sem elas?

Este ato se torna muito mais interessante por ocorrer nos meios virtuais (não quero dizer que esteja restrito a eles), onde a multidão mal-educada não tem vergonha de falar besteira, compartilhar porcaria, e de arrumar confusão com desconhecidos.

Sou um leitor muito literal (desculpe o possível pleonasmo), e se eu vejo um pedido de desculpas, acredito que haja uma razão para isto. A desculpa geralmente é um ato de humildade e renegação; se alguém a usa comigo, mesmo sendo eu apenas seu hipotético leitor, posso a interpretar como uma maneira de se tentar fazer diferente na próxima ocasião (desculpe a rima em oxítona [desculpe a repetição]).

Mas com textos escritos a coisa funciona diferente, pois há mais tempo para perceber e evitar um erro ou grosseria. Percebê-lo, e não consertá-lo, é no mínimo estranho. E mesmo que eu não veja, se um leitor me pede para ajeitar uma expressão, eu não peço desculpas; simplesmente vou lá e faço. Por que eles não fazem o mesmo e se livram das desculpas, coisas tão desagradáveis a se submeter?

Aí que está. A desculpa, penso, se tornou a própria figura de linguagem. Ela é usada não com sua função usual, – humilde, rouca, e cabisbaixa (desculpe as metonímias) -, mas como forma figurada de destacar o trocadilho, um meio cortês de ressaltar a metáfora, uma maneira conotada de evitar os comentários desagradáveis que fariam sobre o maldito clichê.

Ainda assim, o simples fato de se pedir desculpa por estas expressões dá aos textos um ar cool e ao mesmo tempo polido; aproxima o leitor de si, enquanto o bajula de leve, por julgá-lo conhecedor de retórica. E se o trocadilho for bom, ela é usada como fazia aquele jogador, que se dirigia à torcida adversária logo após marcar um gol: “desculpa aê”… Mas me desculpem, acho que já estou enchendo o saco, sempre falando de futebol.