O prêmio literário mais importante do mundo

Desta vez a cheerleader sueca botou pocando. Contrariando as expectativas, premiou um americano, gênio indiscutível, e conseguiu manter a tradição de incomodar os leitores do mundo. Bob Dylan é um dos meus heróis. Todos os anos revejo I’m not there, pra mim a melhor montagem do milênio. Dylan é único compositor que não tenho vergonha de tocar no violão em qualquer lugar. Eu imito Bob Dylan. Um dos personagens de meu romance é um guitarrista fanho que se apelidou Bob. Deixei cair um par de lágrimas quando recebi a notícia, e quem me conhece sabe que meus olhos são dois desertos. Mesmo assim, fiquei meio cismado quando soube que o Nobel acabou indo pra ele.

Não pesquisei a reação geral do povo da cultura, mas entre meus amigos leitores e seus amigos do Facebook, percebi alguns padrões. Quem não está muito ligado no mundo livresco adorou. Quem está, mesmo amando e reconhecendo a genialidade do bardo de Duluth, achou um absurdo o prêmio ir pra um cara que praticamente não tem livros escritos. Isso piora, se levarmos em conta o grande número de mestres da literatura que esperam pelo seu há anos. O mais notório é o americano Philip Roth, autor de pelo menos uma dúzia de obras-primas, que, com o Nobel de Dylan, provavelmente morrerá sem, já que há certa rotação entre as nacionalidades galardoadas (nunca o Brasil). Pior para o Nobel. A cheerleader sueca é uma besta quadrada. A piada do dia, que recebi mais de uma vez hoje, é que no futuro haverão de premiar blogueiros, tuiteiros, youtubers – ou que Roth receberá um Grammy.

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Por outro lado, a grande verdade é que, para o bem e para o mal, nunca vi tamanha reação a um anúncio do Nobel de Literatura. Compare a notícia da morte de Umberto Eco (não venceu) no começo deste ano com a de Dario Fo (venceu), hoje mesmo. Quando aquele desconhecido poeta sueco ganhou em 2011, ninguém deu ousadia. Quando Llosa merecidamente recebeu o seu em 2010, pouca gente de fora se importou. Conheço mesmo grandes leitores que até esses dias ainda apostavam em Llosa. Hoje não se fala em outra coisa que no Nobel de Dylan. Isso me lembra uma história que aconteceu em Salvador três anos atrás. Há muito tempo ocorre no Porto da Barra um sarau chamado Pós-Lida. Geralmente vai esse velho povo da cultura: poetas, contistas, professores, tradutores, cineastas, músicos. Não chamava muito a atenção, até que James Martins, o organizador, convidou um polêmico pagodeiro chamado Igor Kannário (recentemente eleito vereador), o que foi motivo de chacota e indignação da parte de gente que jamais pisara no sarau. A resposta de James foi inteligente: “O brilhante tradutor de “O Mal-estar na Civilização” esteve aqui em nossa primeira edição e a imprensa só resolveu me fazer alguma pergunta (mesmo assim em tom de fofoca) pra saber porque convidei Igor Kannario. Agora me respondam, a culpa é minha ou dele se nossas discussões são banais?” Por que me lembrei desta história? Apesar de ser o maior prêmio do mundo, o Nobel acaba de receber a mídia que nunca teve. Seria esta a intenção? Só acho que, se era pra premiar um gênio indiscutível de outra mídia, que fosse pelo menos Alan Moore, que acaba de lançar um romance gigantesco.

Enfim, emocionalmente, me senti realizado pela premiação de Robert Zimmerman, cujo nome artístico, por sinal, vem de um dos maiores poetas a não ganhar o Nobel. Racionalmente, me senti envergonhado com mais uma péssima escolha da academia sueca. Que seja. Pra Literatura não muda nada. Para a grande obra de Dylan, tampouco. Mas aos sedentos de justiça, saiba que há no mundo outro rei, este também eterno candidato, pra mim o melhor escritor vivo em atividade, que oferece um prêmio muito mais justo e independente que o oferecido pelo rei da Suécia. Quem quer conhecer o fino da literatura corrente tem que conferir é o Prêmio do Reino de Redonda, oferecido por Javier Marías, que jamais errou e ainda antecipou o Nobel em duas ocasiões.